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Entre...pode entrar!!!! Vasculhe tudo!!!!! Se pelo menos durante alguns segundos você parar em algum texto para tentar compreender algo, tentar desvendar o campo semântico de alguma palavra ou até mesmo se emocionar...terei cumprido o meu papel.

domingo, 9 de maio de 2010

De volta ao começo.

Acordei cedo para os preparativos. Afinal, não é todo dia que se comemora aniversário. Assim que cruzei seu quarto percebi que o olhar era de busca, procurando algo que se perdeu em algum momento de sua vida, mas que acabava de encontrar naquele instante: eu. Todas as noites ela sentia essa perda...eu também. Era mais que necessário esse afastamento. Ela precisava disso. Eu necessitava.
Não dizia uma só palavra, mas para que palavras quando se tem o olhar. E que olhar!!! Precisava ser rocha nessas horas porque qualquer descuido um maremoto tomaria conta dos meus olhos. Quando miro todos os dias,ela, ali, parada... como a alegria, o amor, o medo...tudo isso transimito pelo seu olhar era tão nítido pra mim. Comunicáva-mos sempre pelo olhar. Eu sabia de suas inquietações, seus desejos seu mal humor. Todavia, seu olhar hoje era de pura expectativa. Parecido quando estamos sentados na plateia de um espetáculo e ainda não sabemos que universo irá nos surpreender quando as cortinas se abrirem. Mas ela sabia...ela sabia que eu nunca iria me esquecer do seu dia.
Assim que cruzei a porta, dei-lhe um beijo na testa e seus bracinhos já iam, como os gestos de um maestro, pedindo um abraço. Aquele abraço era o meu regogizo. Minha fonte de vida. Todas as manhãs, como o ritual do sol. Mas sempre único.
Peguei-a no braço para o banho. E como pesava. A cada dia parecia mais pesada... só no corpo. Alma ultraleve. Alma, de certa forma, já liberta num corpo em estado de letramento. Não há tempo marcado para o aprendizado. Tolas as teorias. Idiotas os teóricos. Nada entendem de alma.
E o banho foi especial, pois o dia era especial. Coloquei fralda limpa. Separei a roupa mais linda para a comemoração. E ficou! Linda! Coloquei-a sentadinha e em seu redor várias almofadas para alicerçar seu corpo...uma verdadeira ilha. Ilhada.
Sabia que ela não gostava de ficar com outras pessoas, mesmo que conhecidas. Estranhava, chorava...queria-me sempre. Queria-me de maneira grave, assim como a criança ao leite materno. Seu sustento. Vida. E para isso usava de algumas artimanhas. Eu até gostava disso. Queria-me como a praia ao sol num dia de verão e céu sem nuvens. Entretanto, naquele momento era necessário. Eu precivasa concluir os preparativos para a festa.
Não demorei. Comprei o bolo de que ela mais gostava. Chocolate. Bolo de chocolate com calda de chocolate e recheio de chocolate...tudo meio amargo. Só isso de amargo que ela gostava. Era sempre doce, mesmo quando não era. E não podia esquecer da vela...ficava muito chateada se não houvesse vela. Era como acender a vida. Comprei a vela de número dois.
Enfim, ficamos a sós. Coloquei uma bancada próxima a ela. Forrei com a toalha mais linda...cheia de flores. A primavera sempre a encantou. Retirei a fatia de bolo de dentro da embalagem.Uma fatia de bolo. Coloquei as velas no lugar, o chapeuzinho com elástico em mim e nela. Apaguei as luzes e cantamos juntos o parabéns. Havia certa dificuldade em aproximar as mãos, mas em alguns casos na vida a tentativa já é uma grande realização. E ela era a pura realização da vida... na minha vida.
Como era costume seu, apagou primeiro a vela de número menor, a de número dois, e por último a vela de número oito. Prometeu no dia em que completou cinquenta anos que a partir daquela data iria começar sempre pela vela de número menor. E há algum tempo esse gesto passou a ser o maior sentido da sua vida.

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