Entrada franca!

Entre...pode entrar!!!! Vasculhe tudo!!!!! Se pelo menos durante alguns segundos você parar em algum texto para tentar compreender algo, tentar desvendar o campo semântico de alguma palavra ou até mesmo se emocionar...terei cumprido o meu papel.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Mim

Mudei de mim
e deixei tudo pra trás
amores
dores
rancores
cobertores
que não me aqueciam mais

Mudei de mim!

No banco da praça
procuro o jornal de amanhã
eu quero o amanhã...
mas só o ontem disponível
Olho os classificados
Não há hospedaria para almas
Nada para almas

Mudei de mim!

E agora?
Outrora seria eu mais feliz?
Eu mudei de mim
e nada mudou em mim
nada de mim
nada em mim
nada.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

A máquina

Estava ansiosa. Nunca se sentiu assim antes. Não que lembrasse. A frustação já era sua conhecida. Essa sim. Sua epiderme. Já tinha perdido dois filhos, que nem chegaram a nascer, marido, amigos e familiares. Não tinha maneira com a aglutinação ou composição. Parassíntese nem pensar. Seu modo era classe de palavras. Mas nada disso era por mal. Apenas um pleonasmo de uma vida sem vida.
Todavia, naquele dia uma sensação diferente tomou conta de sua alma, que ficou por muito tempo pendurada no cabide de seu armário no último cômodo do apartamento. Algo mexia com ela. Sentia que podia ser tudo diferente. Lembrou-se então do diálogo que teve com o vendedor da loja...ficou arrepiada. Ele confirmou dez vezes o que ela queria saber. E como pagou à vista o vendedor garantiu o prazo de 24 horas.
Andava de um lado para o outro no apartamento. Já tinha interfonado o porteiro milhões de vezes para saber se algum caminhão estava pelas redondezas. O tempo, o qual ela tanto ingnorou por tanto tempo, agora meio que se vingava dela. O tempo, às vezes, é pura vingança.
Cochilou.
A campanhia ao mesmo tempo que a assustou foi o modo de acordá-la um pouco pra vida.
Assinou o papel da entrega. Nervosa, tremia. O olho brilhava. Não via a hora de ficar sozinha.
Era o modelo de máquina de lavar mais novo da loja. A moderninade em forma de máquina. Vários botões cujas funções ela ainda desconhecia. E como desconhecia tanta outras e outras coisas...
Não queria mais esperar.
Leu o manual.
Identificou-se com ele.
Seguiu passo a passo todas as orientações.
Ligou na tomada. Algumas luzes se acenderam, inclusive nela.
Abriu a tampa
Verificou o local onde colocaria o sabão em pó e o amaciante.
Leu e releu várias vezes o tal manual.
Não precisava mais esperar. Dominava já aquele instrumento. Já entendia todo o seu funcionamento. Ficou feliz. Pela vez primeira tinha compreendido alguma coisa.
No tecido optou pela seda.
Na lavagem, pesada.
Nível máximo de água. Morna. Tira mais a sujeira. Ouviu dizer em algum lugar.
Duplo enxágue.
Escolheu centrifugação turbo.
Entrou na máquina nua.
Apertou o botão LIGA.
Depois, não sabia dizer ao certo. Mas deve ter ficado mais ou menos uns cinquenta minutos dentro daquela máquina.
Saiu sequinha.
Esperou alguns minutos.
Na verdade, esperou horas.
Nada...
Nada...
Exatamente nada tinha mudado, percebeu.
Relembrou o diálogo na loja com o vendedor. Ele tinha confirmado que a máquina lavava tudo. Ainda perguntou a ele: "_Tudo mesmo?". E logo após a resposta positiva do vendedor.
No entanto, ainda pesava.
Pensou em ligar para a loja e reclamar com o tal vendedor.
Não tinha força.
Estava cansada.
Pesada.
Olhou a cama.
Se jogou nela.
Cerrou os olhos e ainda tentou um choro.
Mas a máquina não deixou um líquido sequer naquele corpo.
Estava seca.
Sentiu o sono chegar e com ele a esperança.
Esperança de alguma mente humana criar uma máquina só para as almas, que não o corpo. O corpo é frágil.
Esperança, a mais certa, de não acordar.